quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Uma Família Ideal

Os pais de Marcos estavam sentados à mesa da sala um do lado do outro. Eles sussurravam algumas palavras um para o outro, nervosos, seus dedos estavam entrelaçados sobre a mesa.
Marcos tinha acabado de descer as escadas, estava de casaco, as mãos enfiadas nos bolsos, chegou pros pais:
-Então, me chamaram pra quê?
Foi a mãe quem começou:
-Marcos, nós achamos que você já tem idade o suficiente pra ouvir o que temos a falar. Nós somos uma família, somos só nós três e nós não devíamos esconder segredos um dos outros.
-Segredos?
-Sim, filho, segredos. E já está na hora de contarmos pra você, porque eu e o sei pai confiamos em você e, acima de tudo, eu e seu pai te amamos, nós te amamos muito, está bem?
-Está…
Esta foi a vez do pai de falar:
-Então, filho… Eu fumo maconha.
O filho pareceu um pouco surpreso, mas quando ele ia falar algo a mãe o interrompeu:
-E eu uso heroína, uso e vendo, filho.
Os olhos de Marcos se arregalaram.
-Ah, filho, e eu sou pedófilo.
-E eu sou necrófila. E tenho uma clínica de aborto no centro da cidade. - Acrescentou a mãe.
Marcos começava a gaguejar quando o pai o interrompeu:
-E eu faço cirurgias ilegais, tipo trocar cor de olho, cirurgia bariátrica sem recomendação médica.
-Marcos, você não é filho do seu pai, você é filho do meu ex-amante.
Marcos finalmente se fez ouvir:
-Como assim você não é meu pai?! - gritou.
-Filho, o Sérgio é seu pai! Pai é quem cria!
-Eu quero conhecer meu pai biológico, e eu nem vou falar sobre as drogas, ou sobre a clínica de abortos ou sobre as cirurgias ilegais, eu quero somente conhecer meu pai biológico.
-Filho... Não dá, a sua mãe o matou.
-O quê?! - berrou e socou a mesa.
-Ele tava me traindo com outra amante, você acredita nisso, Sérgio, como ele pôde me trair com outra amante?
-Realmente, amor, você já teve amantes melhores.
-Continuando, filho, acalme-se. Eu sou assassina de aluguel. E eu fugi do hospício. Ai, que lugarzinho ruim, mas pelo menos as pessoas de lá eram legais.
O filho não conseguia falar nada, apenas gaguejava.
-Marcos, sabe o nosso porão que nunca deixamos você entrar lá alegando que pode ter um vazamento de gás? Então, é uma câmara de tortura para os traficantes concorrentes, e para nossos inimigos em geral. Nós somos os líderes de uma gang, uma das gangs mais influentes da cidade.
-Como assim?! Vocês estão brincando comigo, eu não acredito em vocês.
Os pais se entreolharam. A mãe se levantou, saiu da sala por alguns instantes e quando voltou estava com um álbum de fotos na mão. Sentou-se do lado de Marcos e abriu o álbum, começou a apontar para as fotos:
-Essa aqui sou eu na cama com o seu pai, seu pai biológico. - Depois apontou para uma foto com crianças vendadas enfileiradas. - Essas são as algumas das crianças que seu pai abusou sexualmente, mas essa foto é mais antiga, era da época que fazíamos tráfico sexual de crianças. – Apontou para outra foto, da mãe segurando uma seringa. – Essa foi a primeira vez que eu fiz a mistura de cocaína com heroína, a gente chama essa mistura de “speedball”.
-Ah, olha pra essa foto aqui, amor, que saudades. – O pai apontou para uma foto dele e da esposa há alguns anos, estavam segurando sacolas cheias de dinheiro. – Foi nosso primeiro assalto a banco juntos!
-Ah, aqui sou eu no nosso porão prestes a arrancar os dedos de um cara de uma gang inimiga! Ah, e olha só aqui, a abertura da minha clínica de abortos!
-Olha essa aqui, amor! – o pai apontou para uma foto da mãe de costas, ela estava segurando um martelo com ambas as mãos acima da cabeça, ela estava meio inclinada, parecia que estava prestes a martelar algo – Você matando o dono do hospício depois que eu te ajudei a fugir dele! Aquele cretino, você devia ter dado mais marteladas nele.
Marcos estava aterrorizado, mas ele notou uma foto peculiar, quero dizer, peculiar considerando-se o conjunto de fotos.
-Que isso? – Apontou pruma foto na qual um avião estava prestes a bater em um prédio.
-Isso! Filho, então, sabe o atentado das Torres Gêmeas? Nós que organizamos tudo.
-Ah! Um dos nossos melhores trabalhos! – Exclamou a mãe.
-Aqui sou eu com minha segunda família. - Disse o pai ao apontar pra outra foto.
-Segunda família?!
-É, filho, seu pai tem uma segunda família! Ele é casado com outra mulher, mas não se preocupe, você não tem nenhum irmão, não. Ele só está com essa mulher porque ela é dona de uma grande empresa, então quando o seu pai e eu assassinarmos ela a empresa, ou pelo menos parte dela, irá para o seu pai! Eu que tive a ideia! - De repente a mãe se distraiu - Olha essa foto aqui! - Era a mãe e ao fundo um prédio em chamas. - Eu depois de atear fogo a um prédio! Todos acham que foi um mero acidente! - A mãe deixou escapar uma risadinha.
-Você é muito boa, amor. - Disse o pai antes de dar um beijo suave na esposa. - Olhe, amor, aqui sou eu depois de ter fugido da prisão! Não acredito que eu me deixei ser pego.
-Sim, amor, foi descuido seu, mas não irá se repetir.
-Mas vocês são procurados?! Eu sou filho de assassinos procurados!
-Mais respeito, garoto, nós não somos só assassinos, nós somos assassinos em série, incendiários, traficantes, terroristas, fugitivos e muito mais, um pouco de reconhecimento ás vezes é bom, não foi essa a educação que te damos. E nós invadimos a segurança nacional e internacional e apagamos todas as informações sobre nós, não sobrou nada nos computadores deles, além disso estamos perseguindo alguns dos agentes que ficaram mais envolvidos em nossos casos, já eliminamos a maioria, mas depois que eu fui preso nós tomamos precauções em dobro.
-Aqui, amor, você estuprando aquela agente da polícia que tentou me prender uma vez!
-Boas lembranças.
Fecharam o álbum de fotos e se voltaram para o filho.
-Acredita em nós agora?
Marcos estava paralisado.
Os pais estavam preocupados e se entreolharam novamente. O pai se levantou e saiu da sala, voltou com um bolo de papeis. Os pôs em cima da mesa:
-Filho, nós temos um laboratório de pesquisas.
-Pesquisas?
-Sim, pesquisas. - O pai folheava os papais. Até achar um que pareceu lhe agradar. - Aqui, é o relatório do desenvolvimento de um vírus que mata em questão de horas, a pessoa nem sabe que tem algo, até morrer, morte cerebral quase que instantânea. E sabe o melhor? Exames de sangue não mostram sinais desse vírus, conseguir um diagnóstico que aponte a presença desse vírus é extremamente complicado. Nós o desenvolvemos em nosso laboratório, ainda está sendo estudado e aprimorado, mas esperamos que um dia seja a nossa melhor arma biológica. Também produzimos compostos químicos letais e um pouquinho de estudo sobre armas nucleares. - Deu uma pausa, como se esperasse uma resposta do filho. - Vamos lá, Marcos! Eu sei que você adora ciências, é sua matéria favorita! Se você quiser eu posso te mostrar o laboratório! Mas nós teremos que retirar suas digitais com ácido e te sedar primeiro, medidas de segurança. Teríamos que vaciná-lo com algumas vacinas desenvolvidas por nós também.
O garoto continuava sem reação.
-Vou te mostrar algo que você vai gostar! - disse a mãe com felicidade.
Saiu da sala saltitante e voltou rapidamente, trazia alguma coisa enrolada em um pano consigo.
Pôs a coisa na mesa e desenrolou do pano, era uma espécie de adaga.
-Filho, uma das adagas que Jack o Estripador usava para estripar suas vítimas! Incrível, não? É herança de família! Eu sou descendente direta do Jack o Estripador! É tão excitante! Ninguém sabe a identidade real dele, nem mesmo nós, ela se perdeu conforme o tempo, mas a adaga não. Minha avó deu ela pra o meu pai, que a deu pra mim e um dia esta adaga será sua, meu querido! Ela é uma relíquia, um artefato de alto valor sentimental pra mim! Sempre que eu olho pra ela eu me sinto inspirada, eu sei que tem sangue puro correndo em minhas veias. - Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da mãe. - Desculpe, filho, é que eu me emociono. São muitos sentimentos trazidos com essa adaga. Vamos, filho... Segure-a!
Marcos afastou a adaga e olhou pra mãe:
-É impossível que você se sinta orgulhosa com isso tudo.
-Ah, filho! Você logo vai entender.
-Eu já sei o que trazer pra você, Marcos! Esperem um instante!
O pai voltou trazendo um martelo consigo.
-Olhe, o martelo que sua mãe usou pra matar o diretor do hospício! Boas lembranças...
Os pais fizeram uma pausa e por alguns instantes a sala ficou em completo silêncio.
-Filho, nós sabemos que isso tudo pode parecer um pouco assustador, mas nós ainda somos seus pais e nós o amamos acima de tudo, e nós sempre te amaremos acima de tudo, ok? Isso não muda nosso amor por você, nada mudará.
-Ok... E eu acho que eu também não fui completamente honesto com vocês, afinal.
-Pode nos dizer qualquer coisa, filho. - disse a mãe sorrindo.
-Pai, mãe... Eu sou gay.
-O... O q-quê, filho? - gaguejou a mãe.
-O que você está querendo nos dizer exatamente?
-Eu gosto de homens, pai, eu tinha um namorado e tudo, mas eu não tinha coragem de contar pra vocês, mas já que vocês tiveram coragem de contar isso pra mim, eu acho que também tenho coragem pra contar pra vocês.
-Sabe, filho, no hospício eu conheci essa mulher, ela sempre falava o quão mentiroso era o filho dela. E aparentemente não acreditava na existência material de sofás, o que era curioso, mas enfim. Mas ela também falava que por mais que o filho dela fosse um baita mentiroso, era o mentiroso dela, o bebê dela. Chegava a ser assustador. E, filho, como eu gostaria de poder dizer que eu aceito o fato de você ser gay, assim como ela aparentemente aceitava o fato do filho dela ser um mentiroso. Como eu gostaria, filho, mas... Eu não posso.
- Filho meu não é gay. - Completou o pai com raiva.

A mãe segurou a adaga e o pai apertou com força o martelo e os dois olharam com olhos carnívoros pro filho.

Nota do co-criador do blog Kadu: Marcos é o padrasto do Guilherme. PLOT TWIST.

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